O Oriente Médio é a região localizada na porção oeste do continente asiático, cobrindo diversos países, dentre eles Arábia Saudita, Egito, Israel, Iraque, Síria e Turquia. Berço de grandes vertentes religiosas, como o cristianismo, islamismo e judaísmo, o território é um dos mais conflituosos do mundo, justamente por causa dos conflitos culturais originados após a queda do império turco-otomano, e pela sua posição geográfica que está no ponto de contato entre três continentes (África, Europa e Ásia).
Carregando fortes aspectos religiosos, a região reflete seus traços culturais nas mais diferentes situações e aspectos, incluindo os jogos. As diferentes conquistas regionais e quedas de impérios fizeram com que zonas se juntassem e separassem, o que levou a uma troca de culturas e disseminação de práticas, assim como a dos próprios jogos.
Nard
Assim como o Shatranj é uma espécie de antecessor do Xadrez, o Nard antecede ao que conhecemos hoje como Gamão. Sua origem está na Pérsia e, assim como no jogo anterior, a conquista muçulmana fez com que ele se espalhasse pela região no século VII, o que pode ser visto em vários artigos que relatam sobre a origem do Gamão, como A History of Backgammon de Mark Driver, que também utiliza como uma de suas referências o já citado Murray.
O jogo também ficou conhecido como Nardshir em todo o Oriente Médio: Nard era um nome persa genérico para madeira, enquanto shir significava leão. Murray considera que shir pode ser utilizado porque as peças de Nard eram frequentemente esculpidas na forma de cabeças de leão. Desta forma, quase todas as regras do Nard eram iguais às do Gamão atual.
O Jogo da Hiena e Mehen
O Hyena Chase (Jogo da Hiena) é um jogo de corrida de tabuleiro que se originou no Norte da África. De acordo com Robert Charles Bell, em seu livro Board and Table Games From Many Civilizations, ele era jogado principalmente por árabes Baggara do Sudão.
Comumente aos jogos antigos da África, como na época em que surgiram não haviam ainda tabuleiros, os jogos eram demarcados no chão, muitas vezes na areia. Composto por uma sequência de círculos em espiral, o Jogo da Hiena possui buracos ao longo do seu percurso e cada um representa a jornada de um dia de viagem. Buscando ambientar o local em que surgiu, de acordo com Bell, as extremidades possuem significado: o círculo maior do exterior representa a aldeia e o menor no centro da espiral representa um poço num oásis.
Cada jogador possui uma peça, que representa sua mãe. O objetivo do jogo é viajar da aldeia até o poço para lavar as roupas e retornar à aldeia, vencendo então quem voltar primeiro. Além das peças dos jogadores, existe uma peça que representa a hiena, que é desencadeada pelo jogador vencedor para prejudicar o retorno das demais mães.
Assim como no Senet, os dados utilizados são pedaços de madeira, nos quais cada lado possui uma cor. Todas as peças começam na aldeia. O jogador deve lançar um seis para levar sua mãe até o poço, mas, para que isso ocorra, o jogador deve lançar o número exato para chegar lá. Se o número lançado for maior do que o número de dias para o poço, ele passa a vez, como acontece nas casas finais do Ludo. Assim que chegam ao poço, a mãe lava a roupa até que o jogador role um seis novamente para retornar à aldeia.
O primeiro jogador que retornar vence o jogo, mas ele não acaba ali. Para entretenimento adicional, o vencedor começa a jogar com a hiena. Novamente, um seis deve ser lançado para liberá-lo da aldeia. Ao chegar no poço, a hiena deve ficar parada até um seis ser lançado. É aí que o jogo começa a ficar mais divertido, pois a hiena se move com o dobro da velocidade das mães (o dobro da pontuação do dado), e todas as mães pelas quais a hiena passa na viagem de volta são “comidas” e removidas do jogo. Ganha não somente a primeira mãe que se “torna” a hiena, mas todos os jogadores que conseguirem fugir e retornar sem serem pegos pelo animal.
Ainda segundo Bell, o arqueólogo Flinders Petrie encontrou na tumba de Hesy um tabuleiro com 545 casas em formato de cobra em espiral, além de um semelhante com 72 casas ter sido encontrado em uma das tumbas das primeiras dinastias, e ambos podem ter sido usados para jogos semelhantes.
Um deles é o Mehen, cujo nome representa uma divindade protetora que é retratada como uma cobra que se enrola ao redor do deus Rá durante sua jornada pela noite, ou pelo submundo. Em seu artigo Mehen, Mysteries, and Resurrection from the Coiled Serpent, Peter Piccione relata que a primeira descrição sobre o Mehen acontece nos denominado Coffin Texts.
De acordo com Piccione, tabuleiros do denominado The Coiled-Serpent Game (O Jogo da Serpente Enrolada), foram encontrados em todo o Egito, datados no período pré-dinástico do antigo Reino. As peças do jogo inclusive foram retratadas nas paredes do Reino Antigo, junto com outros jogos de recreação, como parte dos ritos celebrados na tumba de Hathor.
As peças do Mehen consistiam em seis conjuntos com seis mármores coloridos, os quais possuíam formatos de felinos, provavelmente três leões e três leoas. Um dos principais tabuleiros que ainda existem está localizado no Oriental Institute Museum, em Chicago. Nele, a serpente está enrolada em sentido horário com a cauda para fora, mas pelo visto o sentido de rotação não importa muito, já que foram encontrados modelos com a cobra na direção anti-horária.
Além disso, o tabuleiro de Chicago possui 127 quadrados, dispostos em quatro espirais. Assim como outros jogos antigos, não se sabe ao certo as regras e jogabilidades do Mehen, mas, de acordo Piccione, assim como no Senet, ele representaria uma passagem segura para a eternidade, já que Mehen é tanto o nome do jogo quanto da serpente que protege Rá em direção ao submundo.
Assim como nas matérias específicas sobre Senet e Mancala, neste artigo, a Gamegesis busca, além de apresentar um pouco do histórico dos jogos no Oriente Médio, usar ferramentas próprias para auxiliar na compreensão das mecânicas desses jogos. Desse modo, analisamos seus impactos sociais, culturais e a forma como influenciaram diretamente em jogos que conhecemos hoje, como os já citados Xadrez e Gamão. Esse é o segundo e último artigo sobre os Jogos no Oriente Médio, você pode conferir o primeiro aqui.