O Oriente Distante – Índia – Pachisi
Falar sobre jogos é falar sobre uma prática que acompanha a história da humanidade. Existem diversos registros arqueológicos que sugerem a existência dessa atividade em tempos muito distantes. Nesta série especial sobre “Jogos ao Redor do Mundo”, exploraremos as mais variadas partes do mundo, para conhecer jogos diversos e antigos. Curiosamente, muitos deles são ancestrais diretos de jogos populares que temos atualmente.
Neste capítulo, viajaremos por terras áridas, de uma cultura rica e milenar, que difere muito da que vivemos em nossa sociedade ocidental. Envolta por sincretismos e misticismos, a cultura do Oriente Distante reflete um arsenal de práticas que revelam muito sobre a identidade plural de um povo.
Com uma sociedade estratificada e uma diversidade de costumes, a Índia se caracteriza pela tradição, e também pela complexidade e imprecisão, pois o emaranhado cultural provê uma quantidade enorme e pouco padronizada de hábitos e práticas, como a existência de 15 línguas oficiais num único país e a aceitação da utilização de outras 52. Além da pluralidade na comunicação, o país é marcado por uma cultura fortemente movida pela religião, mesmo que, nesse aspecto, a diversidade também se faça presente: o Hinduísmo, Budismo, Jainismo e Sikhismo são apenas alguns dos exemplos de religiões fortes na identidade do povo indiano.
A civilização indiana é uma das mais antigas do mundo. No sítio arqueológico de Harapa há indícios da vida em comunidade por volta de 7000 A.E.C.. Para se ter uma ideia, esses vestígios da civilização indiana datam de muito antes da conhecida idade antiga, que compreende o período entre 4 000 A.E.C.. e 3 500 A.E.C.. Ou seja, a Índia é muito antiga, o que pode servir para explicar a enorme diversidade já citada.
No que diz respeito a jogos, a precisão é vaga, isso porque a maior parte dos registros textuais antigos era feito de forma poética ou envolta de um linguajar religioso ou místico. Na pesquisa desenvolvida para esse texto, encontramos imprecisão em relação à maior parte das coisas, mesmo na voz de especialistas. Para exemplificar, encontramos um mini documentário sobre a cidade sagrada de Varanasi, uma metrópole expoente da cultura indiana. Percebam que todas as vezes que o especialista aparece para dizer algo mais preciso, como datas, a resposta é sempre em negativa, como se não fosse possível dizer algo ao certo.
E, se uma das mais importantes cidades indianas não possui um arsenal informativo, isso não seria diferente no que diz respeito aos jogos, nossa área de interesse. Mesmo assim, sem sabermos exatamente a data de origem ou a localização precisa de determinados jogos, há evidências de sua antiguidade e as exploraremos a partir do que se tem disponível.
Chaupar, chausar ou pachisi
De acordo com o artigo “Os Jogos Indianos de Pachisi, Chaupar e Chausar”, do indólogo William Norman Brown, o primeiro jogo a ser descrito em documentos indianos foi o chaupar, com a primeira descrição textual feita pelo cronista Abu al-Fazl ibn Mubarak no século XVI. Abu al-Fazl escreveu três edições biográficas do reinado do imperador mongol Akbar e é em uma delas que chaupar ou chausar ou pachisi aparece.
Esse era um jogo comum no império de Akbar e muito usado em apostas, inclusive pelo imperador, que, jogava chaupar no pátio de seu palácio em Fatehpur Sikri, usando as lajes do chão como o tabuleiro e seus escravos como peças. Era assim que ele se divertia com seus convidados, inclusive tornando-se dependente da atividade de apostas usando o jogo.
Mesmo que o primeiro registro sobre chaupar tenha sido feito no século XVI, o próprio cronista Abul Fazl revela que o jogo é muito mais antigo: “Desde os tempos antigos, o povo do Hindustão gosta deste jogo”. O Hindustão incluía a região ao sul da Ásia Central, entre o Irã e a China, região que serviu de passagem para muitos povos, como os mongóis e ciganos e que também ficou conhecida como rota da seda.
Mas como funciona esse jogo, que deixou o imperador tão viciado ao ponto de criar um tabuleiro com peças humanas? Ele é bem simples: o chaupar ou chausar, ou ainda pachisi, é o antecessor do que conhecemos hoje como ludo! Algumas diferenças são a utilização de conchas no lugar de dados, mas observem que o tabuleiro é em formato de cruz. Para ganhar o jogo, basta rodear todo o mapa e chegar até o centro com suas quatro peças.
O pachisi pode ser jogado por até 4 pessoas, com as peças de cores: vermelha, preta, amarela e verde. As seis conchas representam valores diferentes ao serem jogadas, a pontuação varia da quantidade de conchas viradas com a parte rachada para cima, o que também determina se o jogador continua jogando ou passa a vez, dessa forma:
Após circundar todo o tabuleiro com uma peça, o jogador volta ao seu tapete inicial e anda em linha reta até o centro. Quando chega ao centro, essa peça permanece lá e o jogador reinicia o jogo com outra peça, até que consiga levar todas as quatro ao centro. Aquele que conseguir fazer essa trajetória com as quatro peças primeiro, vence a partida.
Apesar de pachisi e chaupar serem o mesmo jogo, havia uma diferença de conotação classista: a nobreza jogava o chaupar usando três dados longos e o povo mais pobre é que jogava o pachisi com as conchas que, na época, serviam como dinheiro, mesmo que essa forma monetária não fosse aceita oficialmente pelas autoridades.
A respeito da origem dos nomes do jogo, a palavra hindi para “vinte e cinco” é pachis (pacis), da qual é derivado o substantivo pachisi (pacisi) que significa “coleção de vinte e cinco objetos” ou “aquilo que diz respeito ou tem uma relação com vinte e cinco”, a pontuação mais alta nos búzios de pachisi é 25, por isso o nome.
A derivação dos nomes chaupar (caupara) e chausar (causara) parece ser a seguinte: o hindi caupara é um composto de cau (do sânscrito catur ) “quatro” e para (do sânscrito pata) “pano”, o último referindo-se aos panos (“tabuleiro, mesa”) que formam os quatro braços da superfície de jogo. A palavra inteira significa “aquilo que é composto de quatro placas”. O causara hindi também é um composto, do qual o primeiro elemento é novamente cau (do sânscrito catur) “quatro”, enquanto o segundo, que é sara , é o sara sânscrito que significa “ato de ir, meio de ir, caminho, estrada.” Todo o composto, portanto, parece significar “aquilo que consiste em quatro estradas, uma estrada de circunvalação” e referir-se à forma de cruzamento do tabuleiro.
Talvez pela simplicidade e facilidade em termos de regras e objetos necessários para jogar, o Pachisi continua sendo um jogo bastante comum na Índia, bem como o ludo é comum no Brasil. Mas esse é apenas um dos jogos que trataremos sobre a região do Oriente Distante, acompanhe a Gamegesis nas redes sociais e seja notificado quando um texto novo for lançado!