Caixas, virtualidade e jogos de tabuleiro são novas maneiras de se jogar a modalidade
O cenário das escape rooms antes de 2020 estava em crescimento constante, com mais e mais salas sendo criadas e atraindo mais público. Então, a pandemia de COVID-19 chegou e fechou todas as salas físicas por longos períodos, o que foi muito difícil para as empresas, que precisaram buscar alternativas dentro das limitações do isolamento social para conseguir sobreviver.
Entre as alternativas para não ter que fechar completamente as salas, surgiram novos estilos de escape rooms, que, em um curto período de tempo, se tornaram o padrão.
Foi preciso se adaptar para conseguir continuar a funcionar à distância, atraindo diferentes públicos, além daqueles das tradicionais escape rooms, abrindo até mesmo para o público do exterior, inalcançável pelas barreiras físicas.
Da pesquisa e desenvolvimento de novos modelos, dois se evidenciam, por conseguirem adaptar muito bem a sensação de jogar as escape rooms: as escape boxes, que são caixas onde toda a temática, a história, os enigmas e os desafios estão contidos; e as live escapes, que são escape rooms realizadas por meio digital, com o grupo reunido em uma videochamada, comandando um funcionário que está presente na sala para resolver os enigmas, transmitindo uma sensação parecida com os antigos jogos de adventure, mas com uma interação coletiva controlando o personagem jogável e em tempo real.
Caixas trancadas e desafios abertos
Você e seu grupo recebem uma caixa na casa de vocês, com chaves, trancas, desafios, adivinhas e histórias que são todas reduzidas a esse modelo compacto, por meio do qual o grupo deve resolver todos os desafios para chegar ao final e, finalmente, resolver o enigma principal. Parece muito com a escape room tradicional: são as escape boxes, que começaram como uma adaptação das salas tradicionais, para serem jogadas em grandes grupos ou de forma portátil.
As caixas são uma forma de se jogar escape room, mas a proposta não começou com o isolamento, necessário durante a pandemia. Antes mesmo de 2020, já haviam sido especuladas como uma forma econômica e prática de jogar as escape rooms, com a possibilidade de ser levada para qualquer lugar, sem precisar montar todo um cenário após um jogo e com a possibilidade de grupos grandes jogarem sem qualquer problema de espaço físico.
Inclusive, artigos apontam que as escape boxes são interessantes até para o uso dentro das salas de aula, por não ser necessário que um espaço inteiro seja utilizado e que grandes grupos, como uma turma inteira, possam jogar sem maiores problemas. Além, é claro, da redução de custos que a montagem de uma caixa apresenta, ao contrário de um cômodo inteiro, contornando os problemas que as salas tradicionais possam trazer no contexto escolar.
Com o isolamento social, as caixas se tornaram uma excelente alternativa para grupos que já estavam reunidos em suas casas, como famílias e casais, que poderiam passar horas e horas resolvendo os enigmas presentes nas caixas, entregues de forma a respeitar os protocolos de segurança, como nos conta a Scotland Escape Room:
“Nossa escape box contém enigmas mais difíceis do que costumamos encontrar dentro de salas de escape, foi um jogo feito para entreter os jogadores por horas, diferente da maioria das escape box no mercado, que costumam ter um tempo limite de 60 minutos. A ideia de fazer uma escape box veio depois de observarmos outras empresas brasileiras aplicando essa nova modalidade.”
A montagem das caixas pode aparentar ser complexa, com a necessidade de abrigar todos os desafios ali dentro, mas pode ser menos custosa que montar uma sala inteira, o que demanda reformas e construção de objetos mais complexos, como continua a nos dizer a Scotland:
“É importante que os enigmas e objetos caibam dentro do espaço reduzido da caixa, então todos os itens precisam ser feitos pensando na medida. Mas ainda é mais fácil do que montar uma sala de escape room, já que projetar e construir um cenário é um trabalho braçal e/ou um investimento bem maior do que projetar e construir uma caixa.”
Videochamadas e o mundo digital
O grupo se reúne em uma videochamada por algum aplicativo, como Zoom ou Skype e, ao invés de todos estarem simultaneamente presentes em uma sala, os jogadores estão visualizando o cenário e enviando comandos para um funcionário presente na sala para seguir os comandos, de modo a tentar resolver os enigmas apresentados. Essa prática cria uma experiência próxima ao modelo tradicional de escape rooms, mas com uma mudança significativa: ela relembra os jogos adventures e em flash de escape room.
As live escapes foram uma segunda alternativa para a realização das escape rooms presenciais, sem a necessidade de ter um grupo aglomerado dentro de uma sala fechada, adaptando-se a uma aproximação do conceito de realidade virtual que nos envolve a cada dia.
O público das live escapes quebram as barreiras físicas, anteriormente presentes pela natureza dos jogos acontecerem em salas presenciais, criando novos paradigmas de construção de salas, tornando possível comparar com salas de outros países para melhorar em diversos aspectos e apresentar partes da cultura nacional para públicos internacionais. Além disso, a desvalorização do real em relação às outras moedas favorece o interesse pelas salas para públicos internacionais, pois as tornam mais baratas para o público do exterior.
A comparação com jogos adventures é interessante porque o funcionário que está dentro da sala interage de volta com os jogadores, criando uma relação de personagem com a narrativa, como nos clássicos Monkey Island e Grim Fandango, onde os personagens eram carismáticos e possuíam dentro da sua própria história e da personalidade elementos que remetiam e ajudavam a criar todo o mundo em torno dos enigmas, como são criadas as narrativas dentro das Escape Rooms.
Board Games e a influência das escape rooms
As Escape Rooms influenciaram uma série de outras formas de entretenimento, como jogos em outros formatos e até filmes de qualidade duvidosa. Os tabuleiros são um dos modelos de jogos em que as escape rooms estão presentes.
O estúdio brasileiro de desenvolvimento de board games e jogos digitais WolfTiger está criando um jogo com elementos característicos das escape rooms, onde os jogadores estão presos dentro de uma casa mal-assombrada e devem seguir ao longo dos cômodos carregando objetos para a resolução de enigmas como nos conta a Game Designer Keli Cruz:
“Ele se passa em uma casa mal assombrada, então existem 9 cômodos que precisam ser explorados pelos jogadores, cada um tem suas cartas de ações e um inventário para carregar equipamentos para usar ou itens para resolver enigmas que estão espalhados pela casa. Como é mal assombrada, a cada rodada acontece um evento que pode trazer monstros ou acontecimentos nos cômodos! Para vencerem/escaparem precisam resolver todos os desafios e voltar no cômodo central. Como é cooperativo, todos ganham ou perdem juntos, tudo isso com um cronômetro em tempo real.”
Sobre o processo de desenvolvimento do jogo, Keli ainda informa que:
“Já estamos desenvolvendo a algum tempo e fazendo vários playtests com pessoas diferentes e já participamos de muitos eventos também, até já fomos finalistas da SBGames (Simpósio Brasileiro de Games e Entretenimento Digital) por 2 anos e participamos do DOFF(Diversão Offline), um evento bem importante em SP, iremos participar do próximo quando finalmente ocorrer novamente. No momento, estamos um pouco parados porque na pandemia trabalhamos ainda mais em projetos do que estava antes, então ficou um pouco corrido, mas estamos para voltar e avançar na parte de arte, além de pensar nos componentes já para a versão final pensando em custos.”
Sobre como as escape rooms entraram no contexto do board game que estão desenvolvendo, há inspirações desde os jogos adventures até os jogos em flash:
“Eu e meu irmão sempre gostamos desse tipo de jogos, jogamos muito desde que descobrimos, seja em sites quanto em consoles, sempre gostamos de colocar elementos de puzzles quando possível em nossos jogos (digitais e analógicos). Na GGJ(Global Game Jam) de 2015 o tema foi algo como ‘E agora, o que vamos fazer?’, então pensamos em fazer uma versão de Escape Room para tabuleiro, que ainda não tínhamos visto.”
E o futuro das escape rooms?
Como qualquer forma de jogo, ao longo do tempo as modificações para otimizar o jogo são inevitáveis, deixando ele mais divertido, diverso e adaptável para o público que deseja jogar. Sejam jogadores competitivos e fãs de enigmas que exigem desafios mais complexos e difíceis, mais envolvidos com a história, jogando em salas temáticas e com o tema entrelaçado com os enigmas presentes, ou o público mais casual ou iniciante, que prefere enigmas mais fáceis e simples para resolução dos desafios, sem as frustrações que normalmente acompanham situações complexas.
A criação das salas de escape room foi interrompida com o isolamento social, mas essas mesmas exigências dos jogadores foram transformadas e adaptadas para as caixas e para o digital, com uma expectativa para o tabuleiro. Isso tem promovido novas oportunidades que antes não eram evidentes, criando toda uma nova forma de jogar esse curioso jogo de enigmas.
O futuro das salas ainda é incerto por conta de nosso futuro ser incerto, mas até as coisas se estabilizarem, fiquem em casa, usem máscara, aluguem suas escape boxes ou reúna-se virtualmente seus amigos em uma live escape e game on!