Para escrever um perfil o contato parece ser essencial, perceber a temperatura das pessoas, o jeito de se comunicar, olhar e sentir. Esses elementos são importantes para conseguir acessar a personalidade de alguém e transmitir essa essência para o leitor. As telas, que são usadas em exaustão neste momento da necessidade de distanciamento físico como uma alternativa de aproximação, podem acarretar uma certa apatia entre entrevistado e entrevistador. Uma leitura rarefeita, de olhos desencontrados, de imagens pixeladas e vozes atrasadas.
Mas para quem possui uma personalidade imensa e cativante como Marina de Lara, esses problemas são minimizados enormemente. Isso porque Lara (como a chamam os mais próximos) sabe bem como entreter e envolver o interlocutor numa conversa; e dobrar as dificuldades de se acessar a personalidade de alguém via chamada de vídeo. Lara não só se disponibilizou a ser entrevistada numa semana conturbada, como se disponibilizou a ser acessada em sua vida pessoal por uma desconhecida.
Mas, afinal, quem é a Marina de Lara? Em linhas gerais, academicamente falando, ela é formada em Desenvolvimento de Jogos e faz mestrado em Informática com Ênfase em Visão Computacional e Reconhecimento de Padrão, e trabalha como pesquisadora no grupo Marista, tudo isso na Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR). Mas eu também a definiria, simplesmente, como uma mulher super pauleira. Fiquem com a definição que preferirem, pois as duas são verdadeiras.
Nos perfis da série especial: Mulheres no Universo dos Jogos, traçamos um paralelo entre as mulheres que de alguma maneira se relacionam com o jogar. Diferentemente da nossa primeira perfilada, Keli Cruz, a Lara não teve um contato tão cedo com os computadores, ela jogava digitalmente apenas em seu Master System, jogos como Sonic e Turma da Mônica. Ela conta que tinha uma afinidade maior com jogos de tabuleiro, mais voltados para a lógica, como o quebra cabeças.
Lara revelou que teve seu primeiro bom computador com 22 anos, o que num primeiro momento pode parecer tardio para alguém que trabalha na área de desenvolvimento de jogos e computação, mas ao longo de seu relato, é possível notar que a cronologia dos eventos é algo volátil e muito interessante, e que definitivamente não segue as temporalidades tradicionais que aprendemos desde cedo sobre as fases da vida.
Há sete anos, em seu computador novo, Lara passou a jogar World of Warcraft, e hoje costuma jogar League Of Legends – admitindo não ser uma das melhores. Ainda assim, ela tem predileção por jogos como paciência, e outros classificados por seu namorado, como “jogos de velho”. Esses jogos mais calmos e estratégicos diferem do universo online, que de acordo com Lara “é um pouco estressante”. Esse desconforto se deve, talvez, pela interação com diferentes pessoas e esse clima de competitividade que os games online podem proporcionar. Essa hipótese é sustentada pela própria escolha acadêmica e profissional de Lara que optou pela computação, tendo em vista que não queria lidar com pessoas, uma vez que possuía vasta experiência com vendas e atendimento ao consumidor, e conhece as dificuldades de se relacionar com seres humanos:
Retrocedendo um pouco no tempo, para compreender o que a levou a trabalhar no varejo antes de ingressar no ensino superior, é preciso voltar à adolescência da perfilada. Esses saltos temporais também estavam presentes em nossa conversa, uma dinâmica meio Tarantinesca, mas que é compreensível e divertida, com todos os seus plots! Até os seus quinze anos de idade, Lara morou com sua mãe no interior do Paraná e se mudou para Curitiba na casa de um conhecido e sua esposa, mas a relação se desgastou rapidamente no novo lar e ela viu a necessidade de se mudar daquele ambiente onde não era bem aceita. “Eu nunca fui de levar desaforo para casa”, afirmou ao lembrar dos desagradáveis acontecimentos que envolveram sua partida.
Lara passou a morar com sua então namorada que era mais velha e vivia sozinha na cidade. O relacionamento não durou muito, mas foi suficiente para a jovem se estabelecer como independente num primeiro momento. A partir daí, com a necessidade de trabalhar para se sustentar, a rotina escolar se tornava enfadonha e sem sentido, uma vez que já estava inserida no mercado de trabalho e podia se sustentar e levar uma vida agitada durante as noitadas curitibanas de 2008 – cenário perfeito, não?. Talvez para a Lara da época, sim. Mas conforme o tempo foi passando, a moça foi compreendendo a realidade do subemprego, do pouco dinheiro, dos sonhos inacessíveis por levar uma vida que tinha a maior parte do tempo tomada pelo trabalho e exaustão, da comparação da sua vida com a de seus amigos e conhecidos da mesma idade.
Após quatro anos dessa rotina, Lara voltou a morar junto de sua mãe que a incentivou a fazer o supletivo. Dois anos depois, ela já podia se eleger a uma vaga em um curso superior. Embora ainda não soubesse qual curso gostaria de fazer, ela sabia que queria entrar no ambiente acadêmico, na área de exatas e computação, e passou a pesquisar graduações neste segmento. Lara considerou fazer o curso de Engenharia de Controle e Automação, incentivada pelas memórias do padrasto mexendo com solda de placa em sua infância, mas achou que o tempo de graduação era muito longo, além do curso custar caro.
Após um período de indecisão, ela ficou sabendo que as faculdades Positivo e PUC ofereciam um curso de jogos e foi até as instituições para saber mais sobre o funcionamento dessa graduação. A primeira tinha uma grade curricular voltada para as áreas artísticas: de desenvolvimento de roteiro e personagem, o que não era exatamente o que ela buscava. Já a PUC, garantiu que o curso era “100% programação”, ou seja, mesmo que não se identificasse com a área de jogos posteriormente, poderia atuar tranquilamente como programadora em outros segmentos. Então estava decidido.
Dentro da universidade ela pôde sentir um sabor diferente da educação, não mais palatava o amargor de sua experiência no ensino médio que a fez desistir de estudar, salivava agora o doce do aprendizado. A vida acadêmica, pouco a pouco, foi se provando parte daquilo que Lara queria para si: educar, aprender, inovar e se desafiar. Mas ela busca essa educação diferenciada, que estimula os estudantes visando suas realidades geracionais, pois, para ela, o modelo vigente de ensinar está ultrapassado. Falta tecnologia, inovação e mudança.
A docência parecia inevitável e a contribuição científica que pretende deixar é justamente na área de educação. Na graduação, Lara produziu um projeto de jogo que objetivava fazer um videogame holográfico. Ah, é importante ressaltar, que Lara ficou em primeiro lugar na categoria pôster do Seminário de Iniciação Científica (SEMIC) utilizando esse projeto na exposição.
Ela levou esse projeto de iniciação científica para o seu mestrado em Informática com Ênfase em Visão Computacional e Reconhecimento de Padrão, onde o adaptou para a área educacional, criando um ambiente imersivo para o estudo de insetos. Doideira! Vou deixar que ela explique melhor sobre isso, pois não é muito simples:
A Lara com todas essas mudanças na vida, diz que sua paixão é inovar, por isso está sempre arriscando em diferentes áreas e projetos. Em nossa conversa, mencionei que ela saiu de uma jovem vendedora sem ensino médio completo para uma mestranda que desenvolve a produção de hologramas para estudos de insetos, e que daqui cinco anos não me surpreenderia se ela me dissesse que estava na África fazendo escavações malucas. Ela não negou essa possibilidade, já que gosta de inovar e aprender, mas que seus objetivos próximos são mais conservadores: finalizar o mestrado e iniciar o trabalho de docência no ensino superior. Para ela, a capacidade de inovar, é se arriscar mesmo sentindo medo.
No início do texto, mencionei que a Lara topou a entrevista apesar de estar numa semana difícil, em meio a muitos trabalhos, isso porque, segundo ela, acredita que as meninas precisam ter modelos para terem coragem de entrar nesse universo masculino, e que a sua voz e história talvez pudessem ser uma injeção de ânimo para essas pessoas. Durante a conversa, Lara ressaltou sua vontade de ser uma inspiração no futuro e de se tornar uma referência em sua área. “Eu quero ser uma pessoa significativa dentro da carreira de pesquisa, de desenvolvimento, de inovação, principalmente nessa área de educação. Sendo uma mulher, para justamente dar essa representatividade que está melhorando, mas ainda falta um bom bocado”, revelou.Talvez academicamente ainda tenha chão para percorrer e as referências femininas são escassas, por isso, a Lara desenvolveu um pensamento ousado: por que não ela mesma se esforçar e transformar-se em uma?
“Eu acredito muito nessa ideia de que disseminar o conhecimento é uma forma de se eternizar, porque você planta a sua semente naqueles estudantes e com isso vão crescendo árvores com base nas suas sementes. Então no dia que você se for, você deixou muitas sementes plantadas no mundo e eu gosto muito disso”, finaliza.
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